Eu tava jantando... por issonao te atendi antes. DEsculpa...
ooooooo mae... como eh dificil crescer... principalmente longe de
voces. Como eh dificil...eu acordei meio doentinha...
mesmo assim tinha tanta coisa pra fazer... arrumei meu quarto (que
tava uma bagunca!!!), fui ate o supermercado comprar um frango e umas
batatas e voltei pra fazer uma sopinha... Me ligaram 150 vezes da
faculdade pra fazer umas coisas pro DVD esse e eu tive que comer
correndo e sair correndo... me queimei toda a boca, comi quase nada,
foi terrivel... sai correndo e fui lendo a materia que eu tneho que
apresentar na aula segunda e to morrendo de medo de nao conseguir
porque eh bastante coisa... Levei uma hora de metro, cheguei la, deu
tudo errado, me incomodei horrores, voltei pra casa, esquentei a sopa
e comi denovo. Percebi que eu fiz muita sopa (eu nao sei cozinhar so
pra mim), o que quer dizer que tem pra mais umas 3 pessoas
tranquilamente. Queria tanto que fossem voces tres. O alex
provavelmente nao fosse gostar, ia reclamar que nao tem gosto de nada
e que eu cozinhei demais o arroz e definitivamente nao sei comprar
frango... O pai ia dizer que tava bom, mas ia comer um prato so e se
entupir de pai porque, na verdade, ele nem achou bom, so comeu pra me
agradar. Tu ia comer tudo. Ia adorar, dizer que tava otima e que
"agora ja pode casar" depois se desculpar e dizer "to brincando,
filha, nao fica braba".
Eu disse pra um amigo hoje (no msn, claro, eh muito dificil ter amigos
aqui) que fazer a propria sopa de doente era um sintoma de
crescimento. Uma outra amiga diria "eh, fecris, crescer rapido demais
da estria". Sao as minahs estrias que doem tanto.
Provavelmente, mae, eu tenha crescido mais nos ultimos 30 dias que nos
outros 20 anos e meio. Eh um absurdo cliche dizer isso, mas eh
verdade. Mente quem diz que a gente cresce quando se forma, casa, tem
filhos. Sao as pequenas coisas do cotidiano que nos fazem quem a gente
eh e foi a mudanca tao rapida desse cotidiano que baixou um pouco mais
a linha externa dos meus olhos no ultimo mes.
Os sinais do tempo nao estao na minha pele (eu so tenho vinte anos),
mas nas minhas maos secas do clima frio cujo cheiro varia entre cebola
e sabao de louca (com cedilha, por enquanto), estao no meu cabelo
sobre o qual eu nao tenho mais conseguido reclamar diante do espelho.
Que espelho? Estao nas minhas roupas ja largas que, por mais que eu
estique bem, nunca ficam boas como passadas a ferro. Estao nas
lagrimas que caem a cada viagem de volta de metro, quando eu, apesar
de insistir em tentar, nao consigopensar "ufa, estou indo pra casa".
Ele eh tao cruel, o tempo. Passa depressa demais quando a gente
aproveita, devagar demais quando doi. Isso me deixa numa situacao
muito estranha, porque, ao mesmo tempo que eu vou pra faculdade
pensando "meu deus, foi ontem que eu cheguei nesse pais e ja faz um
mes! ta passando muito rapido!" eu volto para leytonstone pensando
"mais cinco... como eu queria ver aquele uno branco com o simbolo
vermelho na frente de casa denovo". Hoje ainda, pensando no meu
passaporte que eu preciso levar pra entrevista pro insurance number e
lembrei da funcionaria no balcao da Iberia em Madrid dizendo "acho que
tu nao vai conseguir entrar na Inglaterra. Cade teu visto?". Lembrei
que na hora eu quase enlouqueci, fiquei com medo de nao entrar mesmo.
Parece que foi ontem e ja faz tantos dias...
Faz parte da vida crescer. Bem como faz parte da vida descobrir que o
quarto nao se arruma sozinho, o supermercado ainda nao entrega o que a
gente precisa em casa, a lampada queimada do banheiro nao vai se
trocar sozinha, ninguem vai ter feito suco de laranja quando eu
acordar amanha de manha... alias, eu vou acordar amanha de manha com o
doce "bip bip" do meu celular. Se eu nao for dormir, ninguem vai dar
bola. Se eu nao comer, ninguem vai perguntar se eu to com fome. Se eu
nao for pra faculdade, ninguem vai dizer "vai folgar hoje? o
moleza...".
Que coisa mais maluca eh a vida. Tudo isso e eu estou muito feliz.
Cada refeicao que da certo, cada pound economizado, cada frase bem
formulada em ingles, cada roupa bem lavada... Todas as pequenas
vitorias diarias de quem tinha absolutamente tudo nas maos e agora tem
que aprender a pegar tudo por si, essas pequenas coisas me fazem muito
feliz. Fazem com que eu entenda que eu vim muito mais que aprender
sobre jornalismo, vim aprender sobre( )viver. E por mais idiota que
pareca, eh verdade.
As coisas maravilhosas que estao acontecendo na faculdade. Como eh bom
poder dizer "fui eu, sozinha que consegui". Aqui ninguem pode me jogar
na cara "as pessoas gostam de ti, por isso tu consegue o que tu quer".
Aqui ninguem nem me conhece e, pra maioria, eu sou a brasileira com
cara de idiota que fala devagar e ta sempre tomando cafe sozinha num
canto. ERA. Estamos na terceira semana de aula e eu ja sou a que todo
mundo ouve na aula de Broadcasting, a que traz sempre acrescenta algo
na aula de European Media e a editora/diretora na aula de producao em
multicamera. SOU EU. Isso me faz feliz nao porque eu precise ser a
melhor, mas porque eu acredito nisso.
Fiz novos amigos. Amigos. Essa palavra eh dificil de dizer, quando eu
digo penso em todo mundo que eu deixei ai, esses sim, amigos. Contudo,
tenho "quase amigos" aqui e eles me fazem muito feliz nos meus dias
tristes. O Caco, sempre fazendo piadas absurdas ou debatendo assuntos
seriiiiiissimos sobre
politica/economia/globalizacao
americanos... qualquer coisa dentro desse ou de outros mundos. A Ju e
o Diego, com os quais eu encontro sempre em horarios bizarros, antes
ou depois de dormir... mas que sempre me fazem rir com o jeito tao
absolutamente tranquilo e divertido de ver as coisas. Sao os melhores
companheiros para ver uma final de Celebrity Big Brother com certeza
hehe.
Alem deles, tem o pessoal que nao mora aqui em casa. Por incrivel que
pareca eu ate consegui fazer amigos (ou quase amigos) sozinha. A Esti,
a espanhola, apesar de ter sido apresentada pelo Caco e pelo
Guilherme, eh otima, sempre com assuntos interessantes e rindo de
quase tudo. A Minna, finlandesa, que, segundo a Kika parece muito com
a Analu, eh com quem eu mais saio pra fazer qualquer coisa. Ela ta
sempre disposta pra tudo e vem de uma familia muito parecida com a
nossa... ela eh muito parecida comigo em alugmas coisas, em outras
completamente diferente.. .como as pessoas com quem se quer estar. Na
faculdade, eu tenho andado muito com o pessoal que vai fazer o DVD
comigo. Desses, a maisproxima eh a Kaltrina. Nascida no Kosovo, morou
n Libia por 8 anos e agora mora aqui ha 8, ta sempre falando dos
amigos e da familia e do namorado e de muitas coisas. Eh basicamente
com essas pessoas que eu passo o tempo. Nao muito tempo, porque, a
maior parte dele, passo sozinha. O que tem sido bem interessante, pra
ser sincera. Ja me suporto ha tempos, to passando a realmente gostar
de estar em minha companhia.
Como tu ressaltou, eu realmente nao gosto da Martha Medeiros (na
verdade eu ODEIO ela... mas tu, sempre doce, amenzou um pouquinho).
Contudo, quando eu li o "Embarquei minha filha" ja comecei a chorar
desesperadamente. Isso porque eu fiquei imaginando a tua situacao ai.
Como tu es corajosa, mae. Embarcar a tua filha pra um lugar onde tu
nunca esteve, pra fazer uma coisa que, por mais que tu tente, nunca
vai entender, pra viver uma vida que ninguem nunca a ensinou a viver.
Eu tenho orgulho de ti.
Por causa desse orgulho que eu sacudo a manta na rua todos os dias.
Porque eu sei que ai em casa tem gente muito feliz com o que eu to
aprendendo aqui. Porque eu sei quanto sacrificio todas essas
experiencias maravilhosas que eu to vivendo custa pra voces. Porque eu
sei que as minhas lagrimas e saudades logo serao curadas e que o que
vai sobrar eh tudo isso, tudo o que voces me deixaram viver quando me
embarcaram naquele aviao.
O que eu mais queria agora era poder sair do quarto, atravessar
aquelas duas portas de maderia escura, o pequeno corredor e me atirar
na cama de voces novamente. Mas eu sei que em 5 meses (4 meses e 26
dias) eu vou poder fazer isso denovo. O que eu nao vou poder fazer
denovo eh aprender a fazer a a minha propria canja, a enjoar do cheiro
de cebola nas maos, a lavar a propria roupa, a poupar os pounds pro
aluguel...
Sobre o titulo desse email que tu me mandou, "saudades", eu digo pra
voces fazerem o que eu tenho feito: respirem fundo, levantem a cabeca
e nao contem o tempo por segundos, minutos e horas, mas sim, por
aprendizados, tropecos e desafios superados. Parece muito mais longo,
mas passa tao mais rapido.
Um pouco antes de vir, lembra que eu fui naquele show do Los Hermanos?
Teve uma musica que me fez chorar muito e ela diz assim (eu botei em
prosa agora):
"Já vou, será? Eu quero ver o mundo, eu sei, não é esse lá. Por onde
andar? Eu começo por onde a estrada vai...E nao culpo a cidade, o pai:
vou lá, andar. E o que eu vou ver? Eu sei lá. Não faz disso esse drama
essa dor! Eh que a sorte é preciso tirar pra ter. Perigo é eu me
esconder em você. E quando eu vou voltar, quem vai saber? Se alguem
numa curva me convidar, eu vou lá, que andar é reconhecer, olhar. Eu
preciso andar um caminho só. Vou buscar alguém que eu nem sei quem
sou. Eu escrevo e te conto o que eu vi e me mostro de lá pra você.
Guarde um sonho bom pra mim. Eu preciso andar um caminho só. Vou
buscar alguém que eu nem sei quem sou."
Pra terminar esse e-mail, eu escolho outra musica do Los Hermanos,
essa chamada "Dois Barcos".
"Quando bater primeira dobra do mar da de la bandeira qualquer, aponta
pra fe e rema."
Amo voces. Eu vejo o que deixei ao partir em breve. Voces veem o que
deixaram levar... nunca mais. Mas isso eh bom, quando eu voltar, o
"eu" que voltar vai valer as lagrimas que tu derruba agora. Obrigada.
Fe